sábado, 4 de dezembro de 2021

CARTA OVELHAL


“Se tudo continua igual, se os nossos dias

são pautados pelo ‘sempre se fez assim’,

então o dom desaparece, sufocado pelas

cinzas dos medos e pela preocupação de

defender o statu quo”.

(Papa Francisco).

 

“Os cristãos são todos iguais, o ser bispo

ou cardeal não nos torna superiores a

ninguém”.

(Cardeal Cristóbal López).

 

Veio o Papa Francisco e desconstruiu esse

mundo convencional e, daí o grito: ai que ele

 está a dar cabo da Igreja na sua vida interna

 e na sua relação com o mundo. É verdade! O

 vinho novo da sua intervenção, pelo exemplo

 e pela palavra, rebenta com os odres velhos

 do conformismo.”

(Frei Bento Domingues).

 

“Uma Igreja que, aprisionada por um

sistema clerical, corre o risco de se tornar

cada vez mais um museu de antiguidades”.

(P. Anselmo Borges).

 

“A primeira condição dos católicos, para

realizarem a sua missão na linha do Papa

Francisco, é a reforma da Igreja, do topo

até à base.”

(Frei Bento Domingues).



Há uma coisa que na Igreja

me entristece e não encaixo:

que a informação se processe

só de cima para baixo.

 

E se há cartas pastorais

do pastor para as ovelhas,

eu atrevo-me a propor

que haja cartas ovelhais

das ovelhas prò pastor.

 

E para dar o exemplo

e viver a minha fé,

aqui vai uma ovelhal

para o bispo D. José.

 

v

 

Serrar a clerocracia

não é nenhuma heresia

nem pecado venial,

é até mesmo um dever,

segundo o papa actual,

 

um papa que é muito amado

e que possui tantos dons!

Peço a Deus que lhe dê vida

por muitos anos e bons,

 

pois tenho grande receio

de que o “Grande Inquisidor”

não suporte que ele imite

a Jesus Nosso Senhor.

 

Já anda a fazer-lhe o cerco,

já anda a mostrar-lhe as garras,

à espera do momento

de lhe lançar as amarras.

 

É pois no Papa Francisco

que me sinto respaldado

para correr este risco

de vir a serrar a velha

também ao nosso prelado.

 

É um caso melindroso

e que deve ser tratado

com reverência e unção

para não ser cominado

com alguma excomunhão.

 

v

 

O bispo José Cordeiro

é um jovem prazenteiro,

bem falante e despachado;

de todos os atributos

requeridos a um prelado

falta-lhe apenas o cheiro.

 

Segundo o Papa Francisco,

o pastor deve cheirar

às ovelhas que apascenta;

e a que cheira D. José?

A rituais, liturgias,

devoções e água benta.

 

Já ouvi dizer por vezes

que até é um bispo bonito

e que é mal empregado

em terra de montanheses.

 

Quanto a ser mal empregado,

eu também estou de acordo,

mas é noutra perspectiva:

porque sou membro da Igreja,

quero-a rejuvenescida;

mas quanto a isso este bispo,

e com todo o meu respeito,

é um atraso de vida.

 

A sua designação

para bispo de Bragança

inundou-me de alegria,

encheu-me a alma de esperança.

 

Um bispo com tal perfil

estava mesmo talhado

pra remoçar o redil

que lhe fora confiado,

para alterar uma prática

convencional, rotineira

e fazer com que se veja

outra maneira de ser

cristão e de ser Igreja.

 

Mas já passaram dez anos,

sucedem-se os desenganos

e lembram-me os Evangelhos

naquele passo em que se lê

"vinho novo em odres velhos".


Pode ser bom velocista

e de alta cilindrada,

só que corre numa pista

quanto a mim pouco acertada.

 

v

 

Na Igreja, povo de Deus,

todos nós somos iguais,

não devem existir castas,

prepotências clericais,

nem haver donos de tudo,

só uns poucos a falar

e o resto que fica mudo.

 

O poder não possui sexo,

por isso não deve ser

monopólio masculino,

a mulher é, como o homem,

um reflexo do divino,

 

e na relação com Deus

é ela que sobressai:

a mulher é mãe de Cristo,

mas o homem não é pai.

 

Porém como estas matérias

são demasiado sérias

para serem abordadas

de tão ligeira feição,

tratá-las-ei, Deus o queria,

em outra oportunidade,

com maior profundidade

e noutro diapasão.

 

Mas antes de terminar,

ainda quero serrar

uma obnóxia latinada

que muito me estarreceu

quando um dia a vi estampada

num livro do senhor bispo,*

entre os vários que escreveu.

 

  v

 

Em latim há uma expressão

muito usada para dizer

“ponto da situação”;

trata-se de status quaestionis

que o senhor bispo empregou,

alterando-lhe o final

para “status quaestiones”,

e com isso cometendo

um pecado muito grave

a nível gramatical.

 

Do latim já terminou

há muito tempo a vigência,

mas é língua de cultura

e é da sua descendência,

do seu cunho de nobreza

que se orgulha a “flor do Lácio”

sua filha portuguesa.

 

Não podemos profanar

os seus despojos mortais,

é nosso dever sagrado

preservá-los, cultuá-los

como relíquias dos pais.


Post Scriptum 

D. José, eu sempre fui

um tanto desabusado,

mas sou bem intencionado,

tenho por si muito apreço

e, pode ter a certeza,

não sou ruim como pareço.

 

Acautele-se, isso sim,

contra as reses do rebanho

que usam falinhas de mel,

que de ovelhas têm pele,

mas na realidade são

lobos de todo o tamanho. 


* Cf. José Manuel Cordeiro, O Padre, 2009. pp. 29 e 31 



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In: Flávio Vara, Serrar A Velha  - Por Detrás dos Montes. (Para publicação).  






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