quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

A Vacina


O autarca de Reguengos, 
José Calixto chamado, 
não era prioritário 
e nem valetudinário, 
contudo foi vacinado. 

E eu que sou dos de risco 
e estou, às duas por três, 
em perigo de quinar, 
digam-me lá: quando chega, 
a vez de me vacinar? 

 - Calminha, não tenha inveja, 
saiba que, pra quem não seja 
tão listo como o Calixto 
nem compadre alentejano, 
a vacina para o bicho 
só chega daqui a um ano. 

 - Porra, vão para o diabo, 
daqui a um ano estou morto 
burro morto, vacina ao rabo. 


Flávio Vara

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Cantares de José Afonso

Para além das edições da Nova Realidade (Tomar, 1966 e 1967) e da Fora de Texto (Coimbra, 1994 e 1995), prefaciadas por Manuel Simões, a obra poética Cantares de José Afonso teve, em 1968, uma edição clandestina  da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, que Flávio Henrique Vara sintetiza no preâmbulo:


(,,,) Reúnem-se aqui as letras das canções de José Afonso. Claro que elas são apenas um corpo à espera de ser habitado pela sua voz mágica e castigada, e que teráo como natural complemento os respectivos discos, editados ou a editar. Mas esse corpo possui qualidades literárias suficientes para justificar a sua publicação independentemente da música. E ainda aqui José Afonso continua a ser um exemplo para a indigência, que roça por vezes o impudor, da generalidade das letras da música nacional.

É, aliás, nas letras que melhor se evidencia aquele tacto invulgar com que José Afonso sabe ir ao encontro do povo, quer na exploração dos motivos, quer na forma como os interpreta. Povo gerado e modelado em convívio com o mar, tinha fatalmente que exibir as suas marcas nas várias manifestações da sua cultura. Na poesia o mar yem sido uma das notas mais obsidiantes. Não é, pois, gratuita a abundância nos Cantares de elementos como praias, barcos, sereias, marinheiros, despedidas; nem outrossim é gratuita a presença de certos símbolos do maravilhoso popular como moiras encantadas, cavaleiros, feiticeiras. José Afonso continua-os e moderniza-os, inserindo-os na realidade actual, em tons de ironia magoada.

Simultâneamente os seus versos abrem-se a figuras ou heróis populares da nossa história recente (Catarina de Baleizão, António Aleixo); aos problemas e dramas do quotidiano (vampiros, emigrantes, "meninas perdidas", mendigos); e à sua experiência docente em diversas paragens (presença da infância, temas extra-metrópole, etc).

A forma casa-se à maravilha com a temática: versos simples e curtos, com predomínio do mais vincadamente popular, o redondilho; repetições paralelísticas com reminiscências da lírica trovadoresca; frequência de estribilhos e refrões; toadas de cancioneiros, de jogos de roda, de canções de embalar, parte delas recolhidas, conforme testemunho do autor, directamente do povo. E, quer originais quer adaptações ou arranjos, todos os poemas são sujeitos a uma sábia elaboração de acordo com as exigências do canto, e cujo resultado é esse consórcio perfeito da letra e da música, só possível a alguém que consiga combinar o talento de alto poeta com o de grande cantor. Este é o dom de José Afonso, menestrel dos tempos modernos. (...)

Leia o texto completo aqui. Na altura, José Afonso ofereceu ao autor do preâmbulo um exemplar autografado desta edição clandestina. 
 

Ligações:  Associação José Afonso - Bibliografia; José Afonso, Cantares (Triplo V); Livro "Cantares de José Afonso" (Tributo a Zeca Afonso); Cantares (in-libris); Um história de jovens que queriam uma Nova Realidade (antes do 25 de Abril) – por Flamarion Maués (A Viagem dos Argonautas). 


sábado, 23 de janeiro de 2021

Horresco Referens

 

A besta do Apocalipse, 

na forma Trump, chegou; 

foi o povo americano, 

com seu voto soberano, 

que o pariu ou defecou. 


 A um ser tão escabroso 

nem sequer o Cão Tinhoso 

no Inferno deu guarida; 

recambiou-o para o mundo 

pra nos infernar a vida.



In
: Flávio Vara, A Nata do Povo, Ed. Chiado, 2018

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Soneto ATRUMPado

 

Boçal, atrabiliário, fanfarrão, 
convencido, nojento, chauvinista, 
caprichoso, garoto, vigarista, 
 xenófobo, racista, aberração. 

Ignorante, misógino, histrião, 
vaidoso, abominável, populista, 
primário, leviano, narcisista, 
demagogo, machista, charlatão. 

Pato bravo, inepto, repugnante, 
megalómano, rasca, trauliteiro, 
caricato, burlesco, nauseabundo. 

Egocêntrico, bronco, petulante,
ferrabrás, cabotino, trapaceiro, 
paranoico, palhaço, porco imundo. 


 In :  Flávio Vara, A Nata do Povo, Ed. Chiado, 2018

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O Baton Dá O Tom


Só porque o André Ventura 
falou em lábios pintados,
os betos da extrema-esquerda
ficaram mais que estragados.

Vai daí machos e fêmeas
pintaram a embocadura
com baton e em resposta
às blasfémias do Ventura.

E o venturoso André,
que só queria berlinda,
agradece aos batoneiros
uma oferenda tão linda.

O Ventura é demagogo,
mas a esquerda fracturante
cai nela, apara-lhe o jogo,
dá toda a guita ao tratante.

 
Flávio Vara


domingo, 17 de janeiro de 2021

Cantigas, ó Rosa

Dei-me ao trabalho de ler, no Público de quinta-feira, o extenso, meandroso e pernóstico relambório do ex-director-geral da Política de Justiça, e relativo aos anteriormente "lapsos" , aos agora "erros" e aos futuros (...?), no currículo do candidato português a procurador europeu. 

Não lhe faltaram até eruditas citações, como esta de Bento de Jesus Caraça "Se não receamos os erros , é porque estamos sempre prontos a corrigi-los." (Comovente humildade!). Tantos esforços e contorções para branquear  "uma decisão política, democrática, legal, justificável e transparente". 

Porque será que no fim, e mesmo assim, não me convenceu o seu latim? Porque, curiosamente, me lembrou este provérbio latino "Excusatio non petita, accusatio manifesta", ou seja, em português vernáculo: "Uma desculpa não pedida é uma acusação manifesta".

Ligações: Público carta ao director (16 Jan 2021); Outras cartas ao Director do Público de Fávio Vara.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

E viva a Chica

 

Ministério da Justiça?
Chiça, que grande pivete,
donde vem um tal mau cheiro?
Vem de um certo Gabinete
que a Chica tornou chiqueiro.
 
Na batota e no cambão
quem a consegue igualar?
Apenas o seu patrão
com quem faz um lindo par.
 
A Chica bem merecia
uma boa chicotada,
mas na pandilha amiguista
é dos primeiros na lista
e muito apaparicada.

Flávio Vara

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Latinismos e moralismos

Em texto aqui publicado em 22-12-20, mencionei a expressão latina canes muti non volentes latrare, que é uma injunção bíblica e metafórica dirigida àqueles que, investidos em altas funções e devendo erguer a sua voz quando se torna necessário, não o fazem. O sr. António Cândido Miguéis (ACM), na sua epístola de 28-12-20, invectiva-me por eu não ter traduzido a expressão para português, “porque nem todos os eleitores do PÚBLICO estudaram latim” e porque, com essa frase, por ele considerada “quase injuriosa”, eu “exprobrei” os nossos bispos e cardeais. Ora o sr. ACM compreendeu perfeitamente a frase, e se o fez sem ter estudado latim, só me vem dar razão: não necessitava de ser traduzida; se o fez com conhecimento do idioma de Cícero, então entendeu-a de modo excessivo: viu nela o que lá não estava, ou seja, a “exprobração” aos nossos antístites. 

Uma das razões pelas quais eu não traduzi a expressão foi para não subestimar o entendimento e a literacia dos leitores (a bom entendedor meia palavra basta). E o sr. ACM até me devia agradecer o não ter menosprezado o seu acerado entendimento. Entendimento a cuja performance só faltou entender que, a haver naquela expressão latina algum resquício de “exprobração”, a responsabilidade deve ser pedida à Sagrada Escritura e não a mim.

Arcades Ambo

  Rapazola petulante e tão levado da breca que pô-lo a governante não lembraria ao careca.   Lembrou, contudo, ao Monhé, per...