segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Cantares de José Afonso

Para além das edições da Nova Realidade (Tomar, 1966 e 1967) e da Fora de Texto (Coimbra, 1994 e 1995), prefaciadas por Manuel Simões, a obra poética Cantares de José Afonso teve, em 1968, uma edição clandestina  da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, que Flávio Henrique Vara sintetiza no preâmbulo:


(,,,) Reúnem-se aqui as letras das canções de José Afonso. Claro que elas são apenas um corpo à espera de ser habitado pela sua voz mágica e castigada, e que teráo como natural complemento os respectivos discos, editados ou a editar. Mas esse corpo possui qualidades literárias suficientes para justificar a sua publicação independentemente da música. E ainda aqui José Afonso continua a ser um exemplo para a indigência, que roça por vezes o impudor, da generalidade das letras da música nacional.

É, aliás, nas letras que melhor se evidencia aquele tacto invulgar com que José Afonso sabe ir ao encontro do povo, quer na exploração dos motivos, quer na forma como os interpreta. Povo gerado e modelado em convívio com o mar, tinha fatalmente que exibir as suas marcas nas várias manifestações da sua cultura. Na poesia o mar yem sido uma das notas mais obsidiantes. Não é, pois, gratuita a abundância nos Cantares de elementos como praias, barcos, sereias, marinheiros, despedidas; nem outrossim é gratuita a presença de certos símbolos do maravilhoso popular como moiras encantadas, cavaleiros, feiticeiras. José Afonso continua-os e moderniza-os, inserindo-os na realidade actual, em tons de ironia magoada.

Simultâneamente os seus versos abrem-se a figuras ou heróis populares da nossa história recente (Catarina de Baleizão, António Aleixo); aos problemas e dramas do quotidiano (vampiros, emigrantes, "meninas perdidas", mendigos); e à sua experiência docente em diversas paragens (presença da infância, temas extra-metrópole, etc).

A forma casa-se à maravilha com a temática: versos simples e curtos, com predomínio do mais vincadamente popular, o redondilho; repetições paralelísticas com reminiscências da lírica trovadoresca; frequência de estribilhos e refrões; toadas de cancioneiros, de jogos de roda, de canções de embalar, parte delas recolhidas, conforme testemunho do autor, directamente do povo. E, quer originais quer adaptações ou arranjos, todos os poemas são sujeitos a uma sábia elaboração de acordo com as exigências do canto, e cujo resultado é esse consórcio perfeito da letra e da música, só possível a alguém que consiga combinar o talento de alto poeta com o de grande cantor. Este é o dom de José Afonso, menestrel dos tempos modernos. (...)

Leia o texto completo aqui. Na altura, José Afonso ofereceu ao autor do preâmbulo um exemplar autografado desta edição clandestina. 
 

Ligações:  Associação José Afonso - Bibliografia; José Afonso, Cantares (Triplo V); Livro "Cantares de José Afonso" (Tributo a Zeca Afonso); Cantares (in-libris); Um história de jovens que queriam uma Nova Realidade (antes do 25 de Abril) – por Flamarion Maués (A Viagem dos Argonautas). 


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